Por Amanda Sampaio Queiros/Revista NA MOCHILA.
“Filho é um ser que nos foi emprestado”. As sábias palavras do
escritor português José Saramago tentam convencer os pais a aceitar que não são
donos dos seus filhos. A maioria se vê, em algum momento da vida, diante de um
conflito comum. Desejam que seus filhos alcancem independência, sejam
autossuficientes; mas, ao mesmo tempo, precisam sentir que são necessários na
vida deles e não vão perdê-los.
Estimular de perto o desenvolvimento das crianças é oferecer
ferramentas para que elas tenham sucesso no processo de autonomia, que vai
prepará-las para a vida adulta. Os pais entram como o instrumento norteador e
podem ser ou não os principais facilitadores.
“Vale lembrar que devemos preparar nossos filhos para o mundo! São
as dificuldades próprias de cada idade que promovem amadurecimento.
Assim, eles aprendem naturalmente como agir em diferentes
situações”, quem explica é a psicóloga clínica Natali Tiburcio.
Mas como incentivar que os pequenos ganhem autonomia sem esbarrar
na permissividade ou até mesmo na negligência? Como agir, em contrapartida, de
modo que a superproteção não iniba as oportunidades que as crianças precisam
para crescer? De fato, encontrar o equilíbrio não é uma tarefa fácil!
Errando que se aprende
“Andar com as próprias pernas” só se faz possível quando há segurança. E esse
sentimento se constrói a partir do vínculo entre pais e filhos, segundo Natali.
“Os pais precisam deixar os próprios medos de lado e oferecer à criança, desde
cedo, o espaço ideal para o seu desenvolvimento emocional”.
De acordo com ela, ainda bem pequenos, aprendemos com os erros,
tentando, testando e fazendo. E essa oportunidade é fundamental! “Muitos tratam
filhos de seis anos como bebês, pois acham que eles não têm capacidade para
realizar algo apropriado para sua faixa etária. Depois, na adolescência,
reclamam que são imaturos, mas não permitiram que seus filhos amadurecessem”,
analisa.
O outro extremo é quando as famílias acham que seus filhos se saem
muito bem sozinhos, pois são eloquentes, argumentadores e conversam com todo
mundo. Ou seja, mostram-se praticamente independentes e não precisariam quase
nunca da intervenção dos adultos.
“Esses pais não conseguem perceber que a inteligência dos filhos
não significa independência antes da hora certa. Olhar a situação assim pode
ser uma forma de negligência”. Quem alerta é a psicóloga Valéria Lisboa,
Doutora em Ciências Aplicadas a Pediatria.
Crescer inseguro
“A superproteção ou a negligência podem levar a criança a ser um adulto
inseguro ou, em casos mais graves, favorecer o surgimento de depressão,
ansiedade, crises de pânico, sinais de delinquência, entre outros problemas”
explica Valéria.
Em alguns casos, é possível entender melhor a resistência por
parte dos pais em oferecer autonomia aos filhos, se observar a história de vida
dos próprios adultos. Muitos passaram por problemas emocionais e familiares ou
carregam grandes inseguranças, inclusive a de perder o amor do filho.
Há outros tipos de situações em que os ganhos da autonomia da
criança não são naturais. Ela pode ser induzida a desenvolver mecanismos de
independência precocemente, na tentativa de se adaptar ao meio em que vive.
“É comum observarmos pais que delegam a terceiros todo o processo
de desenvolvimento dos filhos. Ausentam-se da responsabilidade de estarem
presentes em momentos da vida da criança, devido ao excesso de trabalho ou aos
apelos sociais”, analisa Valéria Lisboa.
Responsabilidade
A noção de responsabilidade, assim como quase todas as outras na educação,
nasce com o exemplo. Uma atitude que aparentemente pode ser inocente passa
mensagens que construirão valores.
É importante deixar que a criança assuma as consequências de uma
decisão que ela tomou. Intervir “a favor” do filho pode ser prejudicial. Exigir
que a escola abra exceções às regras ou deixar de lado o comportamento ético,
visando o bem individual, é, certamente, uma influência muito negativa, segundo
Natali Tiburcio. “Vi, inúmeras vezes, pais indo à escola para pedir que a
professora ‘desse um jeitinho’, pois o filho foi a uma festa no dia anterior e
não conseguiu fazer a lição de casa”, conta.
Uma realidade que não muda, independentemente do contexto ou
circunstâncias, é que crianças precisam do olhar e da influência do adulto para
se desenvolverem plenamente. “Essa dependência vai se tornando cada vez menor,
mas ela nunca termina, ela se transforma em outras necessidades”, afirma
Valéria Lisboa.
Dicas para desenvolver a autonomia nas crianças:
1) Dar espaço para os filhos desenvolverem suas habilidades;
2) Aceitar que os filhos crescem;
3) Incentivá-los a aprender;
4) Demonstrar interesse pelos assuntos dos filhos;
5) Aprender a dialogar, ouvir e valorizar as ideias deles;
6) Ter tempo para brincar e conversar com eles;
7) Não delegar para outros a responsabilidade de exercer a maternidade/paternidade;
8) Ensiná-los a lidar com as emoções, permitindo a presença de sentimento de
frustração, amor, raiva, medo e ansiedade, por exemplo.
Entrevistados:
Natali Tiburcio, psicóloga com especialização em Psicopedagogia
Valéria Lisboa, psicóloga Clínica e da Saúde com Doutorado em Ciências
Aplicadas a Pediatria pela UNIFESP
Fonte: Artigo desenvolvido pelo projeto NA MOCHILA, que em parceria com as escolas oferece uma revista por bimestre aos pais de alunos do ensino Infantil e Fundamental I. Para saber mais sobre o projeto, clique aqui.